- Eu pensava - dizem - que depois de ter sido convertido não pecava mais e que teria sempre gozo.
Talvez que, saindo de casa de manhã, alguma coisa os aflige, e perdem logo a calma. O diabo vem, então, imediatamente e segreda-lhes:
- Como podes estar convertido e ter tão mau gênio? Você tem a certeza de ter sido convertido? Não terá sido um equívoco?
Assim as almas são atiradas para um estado de incerteza talvez pior do que quando foram despertadas do seu estado de pecadores perdidos perante Deus. Contudo, isto acontece por causa do crente não ver que tem duas naturezas: uma que é nascida da carne que é pecaminosa e outra que é nascida de Deus e é santa.
Somos nascidos em pecado (Salmo 51: 5), com uma natureza corrompida e decaída, em inimizade contra Deus, e que não está sujeita à lei de Deus (Efé 4: 22). Isto é verdadeiro a respeito de todo o que nascido no mundo, ainda que seja amável, delicado, generoso ou bondoso, e tenha todas as boas qualidades.
Esta natureza não pode ser melhorada, porque está escrito na epístola aos Romanos 8: 7 que "...não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser". Portanto, os que estão na carne (os filhos do primeiro Adão) não podem agradar a Deus. O Senhor, que sabia como a nossa velha natureza era inteiramente má, disse a Nicodemos: "Não te maravilhes de te ter dito: necessário vos é nascer de novo" (ter uma nova natureza) (João 3: 7). E claro que se a velha natureza pudesse ser melhorada, não haveria necessidade de uma natureza nova. Logo que uma pessoa crê em Cristo e O aceita como seu Salvador é nascida de novo, recebe uma nova vida e uma natureza que não tinha antes, como está escrito: "...a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no Seu nome, Os quais não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus" (João 1: 12, 13). E quando considera o crente como tendo esta nova natureza que a Escritura Sagrada diz: "Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado, porque a sua semente permanece nele, e não pode pecar porque é nascido de Deus" (I João 3: 9). A carne, a velha natureza, não é nascida de Deus: "O que é nascido da carne é carne" (João 3: 6).
Esta natureza, que recebemos de Adão, é chamada em muitas passagens das Escrituras PECADO. Quando a Escritura Sagrada fala de PECADOS, refere-se ao fruto que a velha natureza produz - ofensas cometidas, como por exemplo em Mateus 7: 17, "...toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus". A árvore é o homem com a sua velha natureza, o PECADO, cujo fruto são os PECADOS. Se todo o fruto fosse retirado a uma árvore, a árvore por si, ainda assim, ficaria e daria, provavelmente, mais fruto. Assim é conosco. Se os nossos pecados fossem perdoados até o dia de hoje, temos ainda a natureza pecaminosa capaz de praticar muitos mais. É muito importante vermos duas coisas nas Escrituras: o PECADO (a velha natureza), e PECADOS (os frutos dessa natureza), as ofensas correntes. Podemos ver o contraste entre o PECADO e PECADOS em 1 João 1: 8, 9: "Se dissermos que não temos PECADO" (a natureza pecaminosa), "enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos PECADOS, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados".
Porém, o que foi feito desta natureza perante Deus? Pois não poderemos ter uma natureza pecaminosa no céu, Cristo na cruz não somente levou os nossos pecados, como foi feito pecado (2 Cor 5: 21). Em Romanos 8: 3, lemos: "...Deus enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne", de modo que, para o crente, o pecado na carne, origem e ramificações, foi condenado na cruz.
O único meio de acabar com uma natureza é por meio da morte. Não podemos falar de uma natureza como se tivesse sido perdoada. Suponhamos que era pecado um homem respirar: a única maneira de evitar que ele respirasse era matá-lo, e assim acabava-se com ele. Seria escusado dizer-lhe:
- Não deves respirar - porque é sua natureza fazer isso. Assim acontece conosco. Temos uma natureza que nascia em pecado e nada faz senão pecar, porque toda a imaginação da velha natureza é má (Gên 6: 5). E o que aflige o homem de Romanos 7, o qual representa a experiência de uma alma que tem nascido de novo, como nos mostra O versículo 23 (um incrédulo não se deleita na lei de Deus segundo o homem interior). Deseja guardar a lei de Deus e descobre que não pode consegui-lo, porque a lei não só diz, "Não furtarás" o que um incrédulo pode fazer, em parte - mas também "Não cobiçarás": - não deverás alimentar maus pensamentos em teu coração. Mas dirá alguém: - Não posso evitar ter maus desejos. - É precisamente isso. Nós não podemos evitar de pecar por natureza e por isso que todos os pecadores estão perdidos. A segunda coisa que ele descobre, no versículo 18, é que nele, isto é, na sua carne, não habita bem algum; e no versículo 20, ele descobre que se faz o que não quer, já não é ele que o faz, mas o pecado que habita nele. No versículo 23 este pecado que habita nele é forte demais para si e obriga-o a fazer o que ele não quer, e leva-o para o cativeiro, o que o obriga a clamar, não "Quem me perdoará o meu pecado", mas "Quem me livrará do corpo desta morte?" (versículo 24), quer dizer, de mim mesmo - o que herdei de Adão. A maneira como ele é libertado acha-se em Romanos 6, onde se fala da questão do PECADO. A palavra PECADOS não é mencionada neste capítulo, por que se trata da natureza pecaminosa.
Como já dissemos, a maneira de pôr fim a uma natureza pela morte; porém, se estivéssemos de fato mortos teríamos saído completamente do mundo, Cristo tomou o nosso lugar na cruz, foi o nosso substituto em graça e foi feito PECADO. E em Romanos 6: 6, lemos: "sabendo isto que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do PECADO (e não dos PECADOS) seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado". Assim, pela fé vemos que os nossos pecados não somente são tirados, como a questão do nosso PECADO (por natureza) foi já resolvida; o corpo do pecado foi destruído - tendo sido o velho homem (nós próprios como filhos de Adão) crucificado com Cristo. Cristo, o nosso substituto, morreu; e o que é verdadeiro do nosso substituto é verdadeiro a nosso respeito.
E Deus julga-o exatamente como se nós tivéssemos morrido, como diz o versículo 8, "...se já morremos com Cristo". Em Colossenses 3:3 isto é ainda mais claro: "...já estais mortos". Assim há o fim da velha natureza para sempre aos olhos de Deus. Não somos chamados para nos sentirmos mortos, mas para crermos que aos olhos de Deus somos. O seguinte incidente que ouvi uma certa ocasião, poderá, talvez, exemplificar esta verdade.
Durante a guerra Franco-Alemã, todos os alemães que viviam na Inglaterra foram chamados às fileiras alemãs. Alguém encontrando um seu amigo alemão numa das ruas de Londres perguntou-lhe porque não tinha ido para a guerra. "Oh!" - respondeu o outro "é porque estou morto". "Você esta morto?! Como assim?" - "Bem, eu não queria ir para a guerra, e por isso aceitei a oferta de um jovem para ir como meu substituto: ele foi em meu lugar, tomou o meu lugar, e foi morto. Com efeito, isso foi contado como se eu próprio tivesse sido morto e desta forma sou considerado um homem morto, e nunca mais posso ser mobilizado". Como vemos, o homem não estava na realidade morto, mas era considerado como tal pelo governo, posto que estivesse realmente vivo. Assim é conosco. Cristo, como nosso substituto, morreu, e isto é o mesmo que se nós tivéssemos morrido, aos olhos de Deus. Que descanso sabermos que o nosso PECADO foi condenado, o nosso homem velho crucificado com Cristo, e que tudo acabou desta maneira diante de Deus. Romanos 6: 10, diz: "Quanto a ter morrido (Cristo), de uma vez morreu para o pecado, mas quanto a viver, vive para Deus", O Senhor ressuscitou ao terceiro dia, livre de pecado e pecados. Ele é o ressuscitado, que passou pelo julgamento e a morte, por nós que cremos, em completa e perfeita aceitação de Deus; e nós estamos nEle, nesta graça pura, aceitos (ou tomados por graça) "no Amado" (Col 1: 21, 22; Ef 1: 6).
Que maravilhoso lugar para onde fomos trazidos! Que salvação, digna do Próprio Deus, que nós, que éramos inimigos, e filhos por natureza da ira, fôssemos não apenas salvos do pecado e dos pecados, mas trazidos a Deus: - a um lugar de aceitação infinita de graça no Seu Filho amado.
Que bem-aventurança podermos olhar para a glória e ver, ali, pela fé, Aquele bendito Senhor que foi feito pecado por nós na cruz e podermos dizer: "...qual Ele é, somos nós também neste mundo" (I João 4: 17). Temos o Seu lugar como Homem diante de Deus. Que lugar de aceitação Ele é! Deus e Pai O ama? Ouça as Suas Palavras: "Este é o Meu Filho amado em Quem me comprazo" (Mat. 3: 17); "O Meu Eleito, em Quem se compraz a minha alma" (Is 42: 1); e pensarmos nós que somos amados como Ele é amado! (João 17: 26): "...o amor com que me tens amado, esteja neles" (João 17: 26).
Que lindo quadro nos deu o Senhor, em Lucas 15, de um pecador trazido a Deus, em Cristo. Vede o filho que um dia se achava num país distante em seus trapos, agora trazido para casa do pai, assentado a sua mesa, vestido com o melhor vestido, e comendo do bezerro cevado. Não somente a alegria do filho é completa como o coração do pai se alegra por tê-lo ali. Ouvi a voz do pai, dizendo: "Era justo alegrarmo-nos, e folgarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e achou-se".
Que bem-aventurança sabermos que somos trazidos a Deus em Cristo, e feitos "justiça de Deus nEle" (2 Cor 5: 21); que somos aceitos "no Amado" (Ef 1: 6); filhos de Deus, aptos a estarem na luz pura da Sua presença sem mácula, e amados como Cristo é amado, para participarmos da mesma glória que Ele tem (João 17: 22); não apenas alegria completa, que verdadeiramente temos, mas sabemos que Deus nosso Pai sente gozo em nos ter, Seus filhos amados, perante Si; nós que antes estávamos "longe", mas agora chegamos "perto", em Cristo (Ef 2: 13).
"Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai; que fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso o mundo nos não conhece; porque o não conhece a Ele" (1 João 3: 1).
Que amor inefável!
Se é este o nosso lugar em Cristo, nós somos deixados nesse mundo para manifestar Cristo e andar como Ele andou. "Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, ... inculpáveis no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandecem como astros no mundo. Retendo a palavra da vida" (Fil 2: 15, 16) até que o Senhor venha; "que transformará nosso corpo abatido, para ser conforme o Seu corpo glorioso" (Fil 3: 21). Então teremos acabado para sempre com o pecado, o mundo, a carne e o diabo, e todas as coisas que interrompem o nosso gozo e a nossa comunhão neste mundo, e estaremos para sempre com o Senhor.
Contudo, não obstante estarmos em Cristo perante Deus, ainda temos a velha natureza em nós, e muitas vezes a nossa experiência e os nossos sentimentos dizem-nos que não estamos "mortos para o pecado". Todavia, em Romanos 6: 11, lemos, "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor".
Não seríamos exortados a nos considerarmos mortos se o estivéssemos de fato. Porém, este versículo quer dizer que nós devemos crer que morremos com Cristo, por que Deus assim no-lo diz na Sua Palavra; porque sempre teremos esta natureza pecaminosa em nós enquanto estivermos neste mundo, e portanto devemos por esta verdade de termos morrido com Cristo em prática, e mortificar (ou pormos à morte) os nossos membros que estão no mundo (Col 3: 5) ou como está escrito em 2 Coríntios 4: 10, "trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal"; quer dizer, se conservarmos praticamente a velha natureza no lugar da morte, por termos morrido com Cristo, a vida de Jesus manifestar-se-á.
Contudo, podemos falar neste sentido, ou por outras palavras, podemos pecar. Que devemos então fazer? Devemos ir a Deus nosso Pai, como filhos, e confessar o nosso pecado; e em 1 João 1: 9 temos a promessa de que "se confessarmos os nossos pecados, Ele é Fiel e Justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça", Não devemos pensar que podemos pecar como cristãos, mas se pecarmos, a nossa posição em Cristo permanece inalterável, e a nossa comunhão é interrompida, falta-nos a alegria; quando, porém, é feita confissão somos, pela graça, restaurados mediante a advocacia de Cristo. Não é uma questão de afastar o pecado da presença de Deus (isso foi feito na cruz), mas o Pai perdoando um filho, e a comunhão sendo assim restaurada.
"Pelo que também rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da Sua vocação, e cumpra todo o desejo da Sua bondade, e a obra da fé com poder. Para que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja em vós glorificado, e vós nEle, segundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo" (2 Tess 1: 11, 12).
R. F.K.
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